Um cara valente
“...Esse humor
É coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão.” (Cara Valente – Maria Rita)
É coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão.” (Cara Valente – Maria Rita)
Seis meses atrás conheci despretensiosamente um cara numa
festa. Lindo, tinha uma marra toda dele, mal olhava pros lados. Não sei até
hoje como acabamos ficando juntos naquela noite e muito menos como saímos no
dia seguinte. Mas descobri um pouco depois que por trás daquela atitude de
skatista contra cultura, habitava um dos caras mais doces que felizmente ainda existem nesse sistema solar. Um
sujeito puro, limpo, honesto e muito mais educado e gentil do que um bando de
mocinhos de camisa polo de marca famosa que andam por aí em seus carrões
importados. Ele anda de bike e pouco liga pra roupa que veste.
Nos primeiros minutos de conversa que tivemos naquela noite
falei pra ele que dali a pouco iria de mala e cuia pra Austrália, querendo
dizer que não era uma boa nos envolvermos. Mas, sabe como é. Essas coisas do
coração perdem totalmente a razão de uma hora pra outra sem nenhum controle,
por mais que se tente puxar o freio de mão. E como diz aquela famosa canção do
Legião Urbana, e mesmo com tudo diferente veio mesmo de repente uma vontade de
se ver. E assim foi. Nos encontrávamos esporadicamente, nos falávamos todos os
dias e tentávamos manter uma distância digamos regulamentar até o final do ano
passado. Mas então 2015 começou e aquilo que era pra ser só um caso rápido e
sem compromisso, acabou virando uma coisa mais séria.
O cara marrento, skatista, surfista e com jeito rebelde
típico de um aquariano como ele, tinha uma filhinha linda cujo nome ele trazia
tatuado em letras garrafais no meio do peito. Poucas vezes vi um pai tão
apaixonado por uma filha. Embora não morassem na mesma cidade, sempre que podia
ele viajava pra visitar a menina e exibia todo orgulhoso as fotos dela no
celular. Ela tinha menos de 1 aninho e antes mesmo de aprender a caminhar, foi
diagnosticada com leucemia. Ficou 9 meses no hospital, dos quais ele esteve
integralmente presente, fez transplante de medula e se recuperou pra começar
então a viver. E ele tinha um sonho de que um dia ela viria pra Porto Alegre
morar com ele e fazia planos, imaginava tudo o que iria ensinar pra ela e o
quanto seriam felizes. Eu achava isso lindo especialmente porque era verdadeiro
demais.
E então quando nos conhecemos há 6 meses, ele recém tava
voltando à vida e à cidade depois de ter acompanhado de perto o tratamento da
menina. Não fazia planos e simplesmente se permitiu viver e tentar recuperar o
tempo que passou dentro de um hospital vendo a própria filha perdendo os poucos
cabelos que tinha, aprendendo a caminhar com um soro conectado ao pequeno
bracinho. Fomos nos aproximando e nos envolvendo cada vez mais, sem pensar que
o tempo escoava e dali a pouco eu iria partir. Até que no final de março veio a
notícia triste: células cancerígenas tinham aparecido na menina novamente e lá
foi ela, agora com 2 aninhos, pro hospital. E ele viu o sonho que tanto
acalentava virar pesadelo de uma hora pra outra e se viu de novo dentro daquele
mesmo hospital, passando por todo aquele calvário mais uma vez. Acompanhei muito
de pertinho e me apaixonei por ele mais ainda. Porque ele é um cara puro,
sensível, preocupado, apaixonado por aquela criança e genuinamente disposto a
dar sua própria vida por ela se isso fosse possível. Ao longo dessa minha
existência, já vi caras abandonarem seus próprios filhos por muito menos do que
uma doença e passei a admirar ele mais e mais.
Na quarta-feira a noite nos despedimos porque na quinta ele
voaria pra cidade onde a menina estava internada e não nos veríamos mais. E deixei
como lembrança minha um orquídea linda que havia sido da minha avó com a
promessa de que ele cuidaria dela. Hoje pela manhã ele me disse que a menina
estava muito mal, em coma induzido, cheia de tubos pelo seu corpinho miúdo, inchada
de tanta medicação e que ver ela naquele estado era desesperador. No meio da
tarde veio a notícia triste: aquela menina de olhos escuros como os do pai,
aquela pequena guerreira, havia partido. A vida curta daquele pequeno ser havia
chegado ao fim. Ele, é claro, desmoronou, mas aceitou a morte porque não achava
justo ver a menina que tanto amava sofrendo daquele jeito.
Ele é um cara valente, forte, corajoso, da paz, especial,
transparente, incapaz de fazer mal pra ninguém. No dia que me despedi dele e
que dei a orquídea que eu cuidava com tanto amor porque havia sido da minha
avó, ele me disse: “A melhor lembrança tua que tu pode me deixar, é um ser
vivo. Vou cuidar dessa planta com todo o meu amor”.
E eu acredito.
1 comentários
Conheço esse rapaz... meu brother de anos.... cuja admiração é tão grande quanto a tua...
ResponderExcluirUm ser de muita luz... de uma simplicidade... e um coração que nem sei como consegue carregar... simplicidade é o nome dele.... extraordinariamente maravilhoso. .. cujas palavras me faltam pra definir tamanha admiração. . Carinho e respeito que tenho por esse mostro .. doce e gentil como mencionou! Só quem o conhece sabe o privilégio de ter esse cara como brother.... lindo texto.. teu carinho para com ele e todo entorno com a situação fica explícito nas tuas palavras o cuidado e o carinho que teve ao falar dele e da mel... Parabéns pelo texto! Chorei.