Virando a Própria Mesa – parte 7: A teoria e a prática do desapego
Os budistas
acreditam que é o apego que temos pelas coisas (e como coisas aqui leia-se
situações, objetos, pessoas, sentimentos, etc.) o que nos leva a sofrer
inutilmente porque nada é permanente nessa vida. Não vou entrar no mérito da
filosofia milenar de Buda porque meu conhecimento sobre o assunto é limitado.
Mas quero falar sobre desapego.
Quando
criança, colecionava álbuns de figurinhas e papeis de carta. Quando
adolescente, peguei a estranha mania de guardar embalagens de chocolates,
balas, chicletes e outras iguarias. Em paralelo, comecei uma coleção de
latinhas e garrafas de Coca-Cola e atualmente tenho mais de 200 exemplares,
alguns raros e a maioria vinda de outros países. Além das coleções de objetos,
sempre acumulei muita coisa: roupas, sapatos, acessórios, medos, gente em
volta, rancores, frustrações. A bagagem
que eu carregava sempre pagou excesso de peso e mesmo antes de decidir
empacotar tudo de verdade pra ir morar na Austrália, ja tinha decidido me
desapegar de um monte de coisas que ja não fazem mais o mesmo sentido na minha
vida. Porque quero cruzar oceanos e chegar lá do outro lado do planeta zerada
de tudo, leve, aberta, pra poder recomeçar de fato.
Comecei
pelos sentimentos. Não sou uma pessoa fácil; sou mimada e portanto, geniosa, egocêntrica
e de pavio bem curto. Mas decidi me
livrar da síndrome de Gabriela - eu
nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim - e carregar dentro de mim só o que é bom.
Resolvi exercitar minha paciência, meu altruísmo e minha visão Pollyana pra
ficar um pouco mais leve não só pra mim, mas especialmente pra quem convive
comigo todo dia. Tô longe de atingir a meta que estabeleci , mas ja percorri
boa parte do caminho e uma hora eu chego lá. É só uma questão de tempo.
Depois,
resolvi me livrar dos objetos que atravancam meu caminho diariamente e não me
qualificam como pessoa, não agregam valor à minha vida. Abri as portas do meu
roupeiro e me desfiz de saias, blusas, calças, camisetas, vestidos que não uso
mais. Roupas que não combinam mais com o meu estilo ou que comprei por impulso
e nunca tiveram sequer a etiqueta com o preço arrancada. Além disso, não vou
poder embarcar pra Austrália carregando um closet inteiro e terei que ser
extremamente seletiva naquilo que vou levar. Então, fiz a limpa sem dó nem
piedade e só deixei penduradas aquelas roupas que eu realmente gosto e uso.
Fácil.
Em seguida,
veio a etapa mais difícil da faxina: desapegar de pessoas. Isso até pode soar
meio insensível como se gente fosse objeto que pode ser jogado num canto, mas
não é por aí. Todo mundo aqui sabe que durante a nossa vida inteira, cruzamos
com muitas pessoas pelo caminho. Umas ficam com a gente quase que o percurso
todo e outras acabam se perdendo pelas estradas da nossa existência. Precisamos
saber reconhecer aquelas pessoas que queremos que estejam sempre do nosso lado
e aquelas que são apenas passageiras do nosso trem e que precisam saltar na
próxima estação. Muita gente entra e sai da vida da gente porque tem apenas um
papel, uma missão a cumprir. E de cada uma delas precisamos extrair uma lição e
ensinar alguma coisa. Quando conseguimos ver os outros dessa forma, como
mestres, sofremos menos nas despedidas, nas separações, nas rupturas, e deixamos de depositar a nossa
felicidade em quem mal consegue ser feliz sozinho. Tiramos a responsabilidade
do outro e assumimos pra nós. Tarefa complexa, mas muito factível e extremamente necessária.
Por fim,
desapeguei do trabalho quando vi pessoas muitas vezes mais jovens
do que eu, stressadas, doentes, à beira de colapsos nervosos por conta da
pressão à que são submetidas e se deixam submeter diariamente. Gente
de 30 anos que aparenta 42, envelhecida e desgastada pela luz fluorescente do
escritório, que não respira ar puro e acha que o mundo se resumo àquilo. E pra
que? Pra ganhar mais dinheiro, pra viajar pra Miami todas as férias, pra
comprar mais inutilidades que não vão deixá-las mais felizes. Vi pais e mães
literalmente se matando de tanto trabalhar pra poder dar o brinquedo da onda
pro filho, ao invés de disponibilizarem uma hora do seu tempo de folga pra sentar
no chão da sala e brincar com ele. Definitivamente, não é isso o que eu quero
pra minha vida. Não acho o máximo pais executivos que recebem cartas apelativas
dos filhos pedindo que larguem o emprego pra que possam receber atenção. Acho isso
triste e não quero nunca chegar a esse extremo. Além do mais, vejo toda essa
gente levando tanta frivolidade à sério como se fosse questão de vida ou morte,
e esquecendo que empresas tratam pessoas como objetos descartáveis. Na hora que
cortes precisam ser feitos, não há dó nem piedade e as cabeças rolam mesmo. E aí
você se matou de trabalhar pra que mesmo? Vejo o trabalho como apenas um meio de geração de renda, pra pagar as contas e ter o mínimo que preciso pra viver com
um pequeno conforto, jamais fonte de satisfação e felicidade.
Praticando esse
desapego todo na minha vida, consegui enxergar com mais clareza aquilo que me
faz feliz de verdade. Porque quanto mais a gente acumula, quanto mais a gente
se apega, mais vai perdendo a capacidade de encontrar na montanha de entulhos
aquilo que faz nosso coração bater mais forte. E constatei que, ao contrário do
que prega o mundo capitalista e consumista, dá sim pra ser feliz com bem pouca
coisa. Basta querer.
Pra
finalizar e ilustrar tudo o que eu escrevi acima, deixo esse pequeno trecho do filme
Up in the Air (ou mal traduzido como Amor Sem Escalas) como reflexão. Quanto pesa a sua vida?
PS: à
propósito, para aqueles que estiverem em Porto Alegre no próximo dia 6 de
dezembro, haverá meu bazar desapego com roupas, sapatos, bolsas e acessórios
que não irão comigo pra Sydney. Estão todos convidados!
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