Sobre viver
“...hoje o
tempo voa, amor
E escorre
pelas mãos
Mesmo sem
se sentir
Que não há
tempo que volte, amor
Vamos viver
tudo o que há pra viver
Vamos nos
permitir...”
(Tempos
Modernos – Lulu Santos)
Foi assim:
o primeiro jogo da Copa do Mundo acontecia na cidade naquela tarde. Enquanto
franceses e hondurenhos se enfrentavam no gramado do estádio Beira Rio, eu
bebia e ria com um monte de amigos num bar, alheia à partida que era
transmitida pela TV de tela plana. Era domingo, excepcionalmente fazia calor e
a capital começava a ser invadida pelos primeiros estrangeiros que chegavam
aqui por essas bandas pra assistir aos jogos do mundial.
Por volta
da meia-noite talvez, resolvemos mudar de bar e saímos todos andando pelas ruas
movimentadas de alegria e festa. Franceses vestidos de Obelix enchiam a cara de
cerveja num boteco de esquina pra celebrar a vitória da sua seleção;
hondurenhos dançavam na calçada abraçados a canadenses e brasileiros. Chegando
à porta do pub que escolhemos pra terminar a noite, fomos momentaneamente impedidos
de entrar porque o lugar estava cheio. Tudo bem, podemos esperar um pouco na
calçada, afinal de contas, o papo ta animado. Foi quando meus olhos colidiram
com os dele. Nunca mais vou esquecer daquela cena e do sorriso que ele me deu.
Os dois
puxaram papo com a gente, fizemos as devidas apresentações e acabamos entrando
todos juntos no bar. Coincidentemente, sentamos na mesma mesa, lado a lado. Ele
era o mais quieto de todos e aqueles seus olhos azuis combinavam com a camiseta
da seleção que ele usava e contrastavam com a cor dos seus cabelos. Ele era
tímido, quase não falava. Só me olhava e sorria.
Ficamos
naquela noite. E na noite seguinte. E no dia depois ele foi embora, precisava
seguir viagem pra acompanhar os jogos da sua seleção. Continuamos em contato
diariamente pelas redes sociais; ele me contava por onde andava, sobre as
coisas que estava vendo, pessoas que conhecia pelo meio do caminho. E numa
dessas trocas de mensagens ele disse que queria voltar pra cá depois que
terminasse a Copa do Mundo pra me ver mais uma vez antes de voltar pro seu
país. Inacreditável, surreal, quase um sonho. Achei que a promessa de uma nova
estadia no pampa gaúcho iria se esfarelar com o tempo. Porque você sabe como
funcionam essas coisas, né? Amanhã eu te ligo e o telefone nunca toca. Outro
dia a gente se vê e o tal dia nunca chega. Acreditar que um estrangeiro iria
percorrer o caminho de volta pro sul do sul do país só pra me ver soou como uma
piada de mau gosto naquele instante. Não acreditei, é lógico. Ainda bem que me
enganei.
Foi assim: numa
manhã ensolarada e fria de uma sexta-feira ele cumpriu a promessa e desembarcou
aqui depois de horas e mais horas de viagem, mais de 30 dias depois daquele
encontro na porta do pub. Vi de novo
seus olhos azul piscina, seus cabelos amarelo sol e seu corpo de arco-íris. A
mochila displicente que ele carregava nas costas pesava de saudades e
histórias. Não era um sonho. Ou era e eu é que não quis acordar. Achei que ele
ficaria por aqui apenas uma meia dúzia de dias e de novo me enganei.
Já se vai quase
1 mês desde que ele chegou e nesse tempo todo tenho sido feliz 24 horas por dia.
Talvez pra alguns possa parecer uma felicidade artificial, afinal, a gente sabe
desde o começo que isso é temporário, tem prazo de validade e não falta muito pra
acabar. E eu poderia ter vivido esse tempo todo à espreita da derradeira
despedida, poderia ter me economizado pra não sofrer depois que ele for embora.
Mas de que iria adiantar? Não dizem os sábios que a vida é feita de emoções e
histórias, e que devemos viver com intensidade as coisas boas que nos acontecem
como se não houvesse amanhã? Pois resolvi seguir todos os conselhos de todos os
filósofos e me dei uma chance de viver esse romance na sua plenitude, não
importa que ele esteja chegando ao final e não vá ter continuidade. Talvez até
a gente nunca mais se veja na vida.
Então foi
assim: decidi viver o hoje. Porque o ontem já passou e o amanhã talvez nem
chegue.
1 comentários
Lu
ResponderExcluirnada acontece por acaso nessa vida, e então eu te dou a total razão em viver agora, em aproveitar cada minuto, em se permitir ser feliz e pensar que isso não vai acabar, não no teu coração, pode acabar por outros motivos da vida, mas esse sentimento será sempre lembrado da forma mais linda que se tem.
Adorei o post, adorei a história, e torço pela felicidade e pela paixão (ou sei lá o que é).
VIVA, TE PERMITE!!
Essa é a vida que temos.
Um beijo, com carinho,
Bina de Andrade