Depois daquele beijo...
... vieram
muitos outros numa tarde inteira de domingo, que virou noite, mas que não
amanheceu.
E então
teve uma noite de quinta-feira entorpecida por vinho tinto e confissões
perigosas. Teve manhã de sexta. E nova noite de domingo, que raiou com o sol
numa manhã de segunda.
E entre
noites de quinta, tardes de domingo, algumas sessões extras em quarta-feiras e
sábados, um tempo maior do que o previsto se passou. Ninguém sabe explicar bem porquê,
embora para alguns a resposta seja bastante óbvia e esteja estampada na cara.
Mas não, não é isso. Pelo menos não deveria ser; não estava programado, não
fazia parte do contrato, do script, do regulamento. No strings attached, como
dizem os gringos. Entretanto, algumas fronteiras importantes foram cruzadas
quase por instinto, muito sem querer. Ou
será então que havia ali algum sentimento envolvido que ninguém quis admitir?
Difícil saber porque entre tantas noites, tardes e manhãs, pouco sobre isso foi
discutido. Aliás, nada era falado nem antes, nem durante e nem depois. As
coisas apenas boiavam na superfície da pele amparadas por uma química
indiscutivelmente forte para se dissolverem pelo ar logo em seguida. Todo o
resto era velado e sobrevivia apenas na esfera do pensamento, da suposição, da
imaginação fértil. E mesmo assim, tudo funcionava muito bem.
Não se sabe
precisar exatamente quando uma coisa que era boa se tornou estranha. Foi da
noite pro dia? Ou terá sido do dia pra noite? Não importa. Ao perceberem que haviam
ultrapassado limites pré-estabelecidos, acho que ambos tentaram se proteger de
si mesmos na vã ilusão de não se machucarem outra vez, afinal de contas, aquilo
poderia virar um caso sério e todo mundo aqui sabe bem as consequências de um
caso sério. Na ânsia de se resguardarem,
acabaram se transformando em dois ouriços do mar que se espetavam o tempo
inteiro. Ergueram-se entre eles cercas elétricas, campos magnéticos, muros
impenetráveis que sem que percebessem, acabou os afastando. Uma pena.
Deixaram
algumas promessas e planos pra trás em nome de nada. E poderiam ter sido
felizes como de fato estavam sendo. Poderiam ter ido pra praia no próximo
feriado, ter jantado naquele bistrô, ter visto o sol nascer lá no alto daquele
prédio, ter curtido aquele show da banda que
gostavam. Mas não. Ao invés disso resolveram cortar o mal pela raíz;
abreviar o caminho bem na parte mais gostosa da viagem; jogar a toalha muito
antes de ter soado o apito final. Perderam de W.O pra eles mesmos, tolos que
são.
E depois de
um dia inteiro de sábado que era a promessa de um domingo; depois de um beijo no
meio da rua, parece que o fim havia chegado.
Sem anúncio ou aviso prévio, num silêncio absoluto e constrangedor que
costuma ser clássico em momentos como esse, terminaram da mesma forma que
começaram: depois daquele beijo.
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