Foi apenas um sonho?
Parei de
repente pra te ver passar, atravessando
a rua com os olhos desconfiados, atento a todos os lados antes de pisar na
faixa branca de segurança. Teus pés moviam teu corpo pelo asfalto quente do sol
de dezembro com a lentidão de quem, ressabiado, temia um novo acidente.
Te segui
por entre as calçadas; meu olhar fixo no teu andar enquanto te acotovelavas com
outras pessoas, desviando dos vendedores ambulantes, fugindo das velhas ciganas
que queriam ler o teu destino na palma da mão. O teu futuro, eu sei, ja está
definido.
Te vi
entrar em casa e encontrar meu corpo sorridente na poltrona preta no canto da
sala. Teus olhos pulsaram ao me ver. Teu coração bateu junto com o meu e me
enrosquei em teu abraço porque há muito não te via. A santa imaculada nos
observava com espanto e Jesus Cristo crucificado na parede nos julgava. Não há
pecado, meu Deus, quando dois corpos vibram na mesma temperatura, quando as
entranhas se reconhecem, se entendem e se conectam. Não faz-se necessário pedir
perdão, rezar mil ave marias, ajoelhar no altar da santa igreja e fazer
promessas para salvação.
Te vi deitar
ao meu lado na cama de lençóis coloridos e onde a luz da lua iluminava a
escuridão com os raios que atravessavam a cortina de voil branco. Senti teu
braço repousar mansamente sobre meu quadril, tua respiração leve embalar meu
sono, teus pensamentos perdidos pelo espaço do quarto me contarem a tua
história de andanças pelos quatro cantos do planeta.
No silêncio
da manhã que se anunciava pelas frestas da janela, te deixei dormir com o canto
dos pássaros e fiz meu caminho de volta. Deixei meus cabelos espalhados pela
tua cama, pelo chão da casa toda e se procurares bem, ainda irás encontrá-los
na gaveta do roupeiro que costumava ser
minha e que hoje ainda é vazia, ou que já guarda as novas recordações de um
outro alguém.
Te vejo agora voar por entre as torres da
velha ponte, pisar a grama verde que só existe aqui, te enxergar refletido nas
vidraças espelhadas dos prédios enormes percorrendo o caminho para onde, um
dia, foi teu lar. Vi olhares de
felicidade, beijos de saudade, gente em tua volta reunida.
E então parei
apenas para te contemplar, te sorrir e te esperar.
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