Te vejo
Te vejo em
cada muro, em cada esquina, em cada sinal de trânsito dessa cidade caótica onde
vivemos. Te vejo em tapumes de obras, em andaimes, construções inacabadas que
prometem o progresso, o conforto e os momentos em família nos metros quadrados
reduzidos do tapete felpudo da sala.
Te vejo em
cada vitrine anunciado como oferta exclusiva e tendência da próxima estação. Te
vejo nas páginas dos jornais, na capa da revista à venda na banca da esquina. Na
televisão de muitas polegadas também te vejo em canais abertos ou fechados, em
programas de auditório com bailarinas em trajes ultrajantes que se balançam com
total ausência de ritmo.
Te vejo em
cada média com pão na chapa engolido com a pressa dos relógios que não param
nunca pra que eu possa te ver melhor. Te vejo em mesas de bares lotados, nos
olhares perdidos de quem já bebeu demais, na risada nervosa de quem quer
impressionar e na lágrima seca daquele que perdeu a conquista. E consigo te ver
também no terno italiano dos homens engravatados que perseguem dinheiro e poder
da mesma forma que uma criança persegue o balão que lhe escapou das mãos e foi
levado surpreendentemente pelo vento. Te vejo em reuniões improdutivas onde não
se decide nada, em elevadores de arranha céus espelhados, em crachás que se
balançam no pescoço de funcionários públicos e privados.
Te vejo no andar errante de mulheres em cima de saltos altos, nos passos sem rumo de adolescentes em bando, nos tropeços dos velhos que se equilibram nas calçadas. Te vejo nos cruzamentos movimentados da hora do rush, nos pontos de ônibus lotados de quem só quer voltar pra casa, nas portas que abrem e fecham das estações de metrô. Te vejo indo e vindo.
Te vejo de
segunda à sexta em horário comercial, mas te vejo principalmente depois do
expediente, o corpo relaxadamente atirado sobre o sofá da sala. Te vejo ainda
durante à noite quando posso finalmente te encontrar no repouso do travesseiro,
na maciez do cobertor que protege, no inconsciente que te traz de volta a cada
sonho e que te leva pelo braço sempre que amanhece.
Te vejo
embora estejas muito longe e não queiras mais me ver.
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