Da espera que dissolve a dúvida
E então se
encontraram frente a frente na mesa de um boteco como se fossem dois velhos e
bons amigos, daqueles que não se veem faz tempo. Lá fora só os trovões anunciavam o temporal.
Pediram a
primeira rodada de chopp enquanto se atualizavam sobre a vida.
- To feliz,
trabalhando muito, me divertindo quando sobra tempo.
- Meus pais
tão super bem e te mandaram um beijo.
- Sério que
te assaltaram de novo e roubaram teu telefone?
- Não, eu
não to saindo com ninguém. Pelo menos com nenhuma que possa ser levada à sério.
- Mais dois
chopps, por favor!
- Vou ao
toilette.
Voltou,
tirou a camisa que fazia as vezes de casaco, amarrou na cintura pra cobrir a
bunda na calça justinha. Sentou-se na mesa apoiando as costas na parede gelada do bar. Suavemente puxou os cabelos num rabo de cavalo, depois os
enrolou nos próprios dedos e prendeu num coque com um elástico que encontrou
dentro da bolsa.
- Tá bonita. E fica mais ainda quando prende o cabelo desse jeito.
- Eu to com
saudade, isso sim.
Só aquele
pedaço de madeira de lei, os muitos copos vazios, o tempo e os desenganos os
separavam. A banda tocava uma música desconhecida. Esticou seu corpo por cima
da mesa. Ela fez o mesmo.
O mundo
parou, a música silenciou, o tempo pausou, o nó na garganta se desfez e desaguou
como o temporal que caía na rua. Seria esse o momento? O que vai acontecer daqui por diante é um efeito etílico ou uma vontade genuína indisfarçável? Será certo ou errado, bom ou ruim? Seu gosto, seu cheiro, o
barulho do seu coração batendo acelerado, a sensação que tinha enrolada em seu abraço apenas confirmaram o que achava que sabia. Retrocedeu no tempo numa viagem sem volta contrariando suas
próprias e fortes convicções de que o passado é só passado. Morreu de saudade
desse momento, preparou-se pra ele, esperou-o pacientemente sem saber que ele
viria, e então se deu conta de que não havia mais nenhuma dúvida.
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