All you need is "I love you"
Xico Sá é um dos meus escritores favoritos e recomendo muito o Catecismo de Devoções, Intimidades e Pornografias escrito por ele.
Pra começar a semana então, deixo aqui um texto publicado esse final de semana no blog que ele tem no Uol e que também vale à pena ser adicionado nos favoritos.
Quando o amor de verdade começa com um "eu te amo" de mentira
(Xico Sá)
Amigo, se você é do tipo que diz “eu te amo” de uma forma, digamos assim,
precoce e irresponsável, na afoiteza das belas noites, como já tanto o fez este
pusilânime cronista, prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar, digo,
“se liga”, como alerta a prosódia suburbana.
Se a gazela for safa, sábia, mal algum há em tal pronúncia, até apreciará o
empolgante anúncio como uma poesia de fundo, como se uma música de Serge
Gainsbourg –Je t’aime moi non plus- estivesse tocando no quarto de alta
rotatividade àquela altura.
Pensará a moça, bem baixinho,“que doce vagabundo”. Terá sido apenas um
pequeno crime, como num bolero, um besame mucho, um cha-cha-cha no Motel
Caribe.
Sim, a gazela pode entender como um “eu te amo mesmo, de verdade-verdadeira,
assim como Deus sobre todas as coisas”.
Que mal há nisso?
Quantos amores à vera começaram com um “eu te amo” de mentira?
Ao tratar pela primeira vez do assunto, o camarada Ivan Marsiglia me lembrou
de uma crônica do Ferreira Gullar, aqui sampleada:
“Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar
que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não
quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer
ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não
merece punição alguma.”
Nesses tempos de amores líquidos, de amores ficantes, de amores-vinhetas de
15 segundos, quem saberá o que venha a ser o amor patenteado pelos deuses
gregos?!
O melhor mesmo é dizer, sem medo, eu te amo, e honrá-lo pelo menos enquanto o
sublime eco resistir entre aquelas abençoadas quatro paredes.
E se ela acreditar, ora, ora, manda um “eu te amo,meeeesssmmmoooo”.
Com olhinhos revirados, vamos mais fundo ainda: “Eu te amo até o fim dos
tempos”.
Se ela não está nem aí, você se vira para o piano e ordena, como no filme
Casablanca, mesmo que estejam atravessando a avenida Afonso Penna em Belo
Horizonte,
seis horas da tarde, buzinaço, hora do ângelus: “play, again, Sam!”
E manda mais “eu te amo”, como um estribilho do vento, nas oiças da
desalmada, até ela acostumar com a natureza humana do macho que veio ao mundo
como um cowboy solitário que tem apenas um mantra, uma bala no coldre dos
sentimentos: “eu te amo”.
Monocórdico e doce canalha cujo cardiograma é um terremoto de “eu teamos”a
fazer gráficos esquizofrênicos que assustam o mais zen dos cardiologistas.
Antes um “serial lover” a dizer eu te amo como um cuco desembestado a um
elíptico e silencioso cabra safado que guarda os “eu te amo” para a hora do
chifre ou para a extrema-unção de fato.
Donde baixa um Esopo fabulador para deixar a moral da crônica: mais vale um
“eu te amo” que entre por um ouvido e saia pelo outro do que um silêncio mortal
de um homem que nunca se empolga e deixa a gazela achando que “eu te amo” é
coisa só de novela e de filme americano
1 comentários
Um olhar diferente (feminino) sobre o mesmo assunto: http://deixeestar.wordpress.com/2007/05/18/eu-te-amo-nao-e-bom-dia/ .Beijo. Eurico.
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